quarta-feira, novembro 08, 2006

O que acontece depois do "felizes para sempre" (texto bonitinho)

- Vó?
- Oi?
- O que acontece depois do "Felizes para Sempre?"
A avó até se ajeitou na cadeira. Já sabia o que acontecia quando aquelas
perguntas começavam.
- Como é que você falou, meu bem?
- O que acontece depois do "Felizes para Sempre" das histori- nhas. A
princesa encontra o príncipe e vivem felizes-para-sempre..., termina sempre
assim..., Por que eu não vejo ninguém ser feliz para sempre, então?
Ai, ai, ai, pensou a avó.
- Sabe, minha querida, tem uma tribo antiga de índios, lá no Novo México,
que não acredita na passagem do tempo. Fez menção de perguntar o que aquilo
tinha a ver com a sua pergunta, mas a avó colocou a mão na sua boca, como se
dissesse, espera.
- Esses índios acreditam que existem apenas dois mundos: O mundo das coisas
visíveis, e o mundo das coisas invisíveis.
- No mundo das coisas visíveis, encontramos o que construímos: a casa, o
carro, esse tricô aqui que você sempre interrompe...
- E no mundo das coisas invisíveis?
- No mundo das coisas invisíveis, encontramos tudo o que não transformamos
em realidade; os sonhos, as idéias, as dificuldades, tudo o que ainda está
lá, para ser realizado, e que a gente sempre deixa para depois...,
- Depois eu vou estudar, depois eu vou tentar, depois eu vou fazer meu sonho
se tornar realidade... as pessoas sempre esperam pelo futuro, a época em que
serão "felizes para sempre"...
- E os índios?
- Bem, eles são mais espertos e mais avançados do que nós... como eles não
acreditam no tempo, então não acreditam também no futuro, e se não acreditam
no futuro, não passam a vida inteira esperando por ele.
A menina acendeu aquele vasto sorriso, que usava sempre que as historinhas
da vovó clareavam as suas dúvidas.
- O que eles fazem então?
- Acho que eles tratam de serem felizes todo dia.
- Mas eles não tem coisas chatas para fazer?
- Que coisas chatas?
- Essas que a gente faz todo dia: arrumar a cama, fazer lição de casa,
arrumar a casa, comer verduras...
- Lógico que fazem.
- Como é que podem ir para escola se não acreditam no futuro?
Meu pai sempre fala que trabalha e fica mal humorado para que a família
tenha "um futuro melhor"... que temos que estudar para termos "um futuro
melhor"...
- E o futuro fica mesmo melhor?
- Não sei, ele não chegou ainda...
Riram gostosamente.
- Sabe, querida, o que esses índios acham, é que a felicidade, o "felizes
para sempre" só existe nessa passagem, das coisas irrealizadas para as
coisas realizadas. Esse é um modelo mais bacana de felicidade: é como se a
felicidade fosse um quebra-cabeças que a gente monta todo dia... só que é um
quebra cabeças diferente.
- Como ele é?
- Ele é feito todo dia, com coisas que a gente consegue realizar...as peças
são invisíveis, e a gente deve procurar por cada uma delas até encontrar. Aí
a gente traz as coisas do mundo invisível para o mundo realizado. É como uma
oficina. Uma Oficina de Felicidade.
Finalmente, a pergunta mais difícil:
- Você é feliz, vovó?
Sorriu, suavemente.
- Sou, minha querida.
- Mesmo sendo sozinha?
- Mas eu não sou sozinha.Eu tenho você, sua mãe, e uma porção de gente no
meu coração, querida. Nunca estou sozinha.
- Quando eu ficar velhinha, eu vou ser feliz, então?
- Não, meu bem. Quando você ficar criança é que vai ser feliz.
- Mas eu já sou criança.
- Então, não se esqueça de ser criança quando você crescer, tá bom?
- Combinado.
- Então vai brincar de construir felicidade, vai...
Não precisou falar duas vezes. Saiu correndo brincar.
E a avó continuou trançando, em seu tricô, a delicada trama da vida
carinhosamente.

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